segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Que belo Pais...

"Eu gostava de ver o que é que acontecia, se esta situação fosse com algum familiar de um modesto governante, deste belo pais que é Portugal."

Ponte de Lima: Caixa Nacional de Pensões "obriga" funcionária pública a cumprir horário de trabalho encostada a parede.

Viana do Castelo, 05 Nov (Lusa) - Uma funcionária pública, que estava de baixa há três anos, regressou hoje ao trabalho por ordem da Caixa Geral de Aposentações (CGA), mas vai cumprir o horário laboral encostada a uma parede dado que mal se consegue mexer.

"Venho para aqui fazer sala e, mesmo assim, vamos ver quanto tempo aguento nesta posição", disse Ana Maria Brandão depois de, com muito custo e com a ajuda do pai, ter conseguido subir os cinco degraus que dão acesso à Junta de Freguesia de Vitorino de Piães, em Ponte de Lima, onde é funcionária administrativa.

Equipada com um colar cervical, que é obrigada a usar dia e noite, uma braçadeira no braço direito e uma cinta lombar, Ana Maria escolheu uma cadeira dura, de madeira, e bem encostada à parede, onde se sentou e onde prometia permanecer "o mais quietinha possível", para minimizar o seu sofrimento.

"É uma situação inadmissível, revoltante, injusta e, acima de tudo, desumana", desabafou.
Sustentou que "a sua dependência de terceiros é total".
"Mas cá estou, para pegar ao serviço", afirma, com muita revolta e alguma ironia.
Depois de uma operação mal sucedida a uma hérnia discal, em 1998, Ana Maria, 43 anos, não consegue hoje escrever, nem virar uma página de um livro ou jornal, abrir uma porta, pegar numa pasta, andar mais de 20 metros sem ajuda ou ir à casa de banho sozinha.
Em Fevereiro de 2006, Ana Maria foi a uma junta médica da ADSE, que a terá considerado incapacitada para o trabalho.
"Mas entretanto, uma outra Junta Médica, na Caixa Geral de Aposentações de Viana do Castelo, concluiu que não senhora, que ainda podia trabalhar, que era muito nova para a reforma e, na sexta-feira, fui informada pela Junta de Freguesia de que tinha ordens para voltar a pegar ao serviço", disse.
Ana Maria vai "trabalhar", sempre acompanhada de perto pelo pai, já que nem sequer se pode baixar para apanhar um papel que caia
Hoje, à chegada à Junta de Freguesia, Ana Maria tinha cerca de duas dezenas de populares, que, por entre palavras de incentivo e solidariedade, também não calavam a sua revolta perante aquela "injustiça".
"Há tanta gente com saúde que está a receber o rendimento mínimo, e querem obrigar a trabalhar uma pessoa neste estado. Acha isto justo?", questionava, indignada, Aurora Costa.
Palavras duras teve também o presidente da Junta de Vitorino de Piães, Luís Lima, que defendia mesmo o "julgamento" dos elementos da Junta Médica que deram alta a Ana Maria.
"Tal como se julgam as pessoas que matam, que roubam, que andam na droga, também se deviam julgar os responsáveis por esta situação, que estão a roubar a esta mulher o pouco que lhe resta da sua saúde", afirmou Luís Lima.
O autarca, que foi eleito como independente, acrescentou que "se Portugal fosse governado pelo Touriño [presidente da Junta da Galiza], nada disto acontecia, ninguém tenha dúvidas disso".
Luís Lima sustentou que "se a Caixa Geral de Aposentações quer manter Ana Maria na Junta, então no mínimo, deve disponibilizar uma cama, uma cozinha e uma ama para tomar conta dela".
"Mandam trabalhar uma pessoa que mal se pode mexer, parece que anda tudo maluco neste país", criticou.
Ana Maria tem vindo, nos últimos anos, a ser acompanhada por um neurocirurgião, um psiquiatra e um fisioterapeuta, além do seu médico de família.
"Tenho uma lombalgia e uma cervicalgia degenerativas. Se eu peço a reforma é porque sei que não tenho cura. Tomara eu poder sentir-me em condições de voltar ao trabalho e de fazer uma vida normal", desabafou.
Ana Maria já participou o seu caso à Procuradoria-Geral da República, que a aconselhou a defender os seus interesses pelas vias judiciais, uma vez que o assunto "não se insere no âmbito da intervenção" daquele organismo.
"Não queria ir por aí, porque somos uma família de parcos recursos e toda a gente sabe como os processos em tribunal são morosos e dispendiosos. Mas essa é uma hipótese que tenho que equacionar, em nome da justiça e da minha própria dignidade", admitiu.
VCP.
Lusa/fim

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